30 de jun. de 2015

Ao postar-te, Lâmina Fria, em meu rígido peito, indago-me que dúbias questões passam por ti. "Se amou e foi amado, se foi amamentado e acalentado por uma mãe que, vagarosamente pelo mundo sombrio, passava por ondas do tempo àquela criatura cuidar. Se sonhou, viveu, sorriu e certamente sofreu, a achar uma força relutante à continuação da existência e que, ao final de todos os horrores, abandonara sentido da vida e abraçara, mais cedo do que jamais deveria, destino ineroxável que vem para a todos: A escuridão inabitável da não-existência".
Rogo-te, ó Lâmina Fria, que certamente acabes com o pesar deste que no meu peito se esconde. Que, através de teu metal sólido e gélido, venha a atender o desejo de que por meio deste feito, há de acabar por todos os desejos enfim.
"E que razão há", sinto tal Lâmina a indagar, "para tal decepção penosa, que ao mundo venha a dar seu fim, mundo este que em peito agora toco, mundo aquele dos pesares dos peitos que, por meio deste feito, hão de penar pela eternidade? "
Acaso não sabes tu, ó Lâmina Régia e Fria, que existência nada mais é que o desespero da espera, esta pela não-existência, enquanto sente, em teu ser, e enquanto sente, neste que agora mesmo tu tocas, a não-existência sendo gerada dentro de teu ser, consumindo-te, até que nada há? Pois chegará o dia, minha cara Lâmina Fria, onde mesmo o brilho do céu terá se esvanecido, e a última palavra então terá sido proferida muito antes desta. Que esperança há, pois? Diga-me, e salva este que em meu peito guardo desde que do ventre da minha mãe eu saiste, e que agora há de me dar um destino final.
"Se assim deseja aquele cujo toco, que assim seja feito", cochichou a Lâmina Fria.
E enquanto rasgava a carne, a Lâmina se regozijava, sabendo que em meu ser estava completando boa obra, e quando atingiste o íntimo de meu ser, ambos gritamos, ora em regozijo, ora em pesar, enquanto a Fria Lâmina bebia de minha rubra fonte.
Subitamente, então, o Universo deixara de existir. Estava eu livre afinal.

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